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SORTERRO: enquanto eles cresciam

Texto de Juliana Notari

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Em março do ano de 2012, quando cheguei ao Rio de Janeiro para cursar o mestrado teórico/prático em artes, passei a sentir vontade de realizar algum tipo de trabalho que envolvesse diretamente meu corpo e o tempo. A escolha do tempo tem relação com o fato de o mestrado ter um período determinado. Queria agregar esse fator como elemento no trabalho. Quanto ao uso do meu corpo, este sempre foi minha principal ferramenta de trabalho. Dessa vez, no entanto, eu queria e precisava realizar um trabalho em que meu corpo atuasse diretamente na minha subjetividade. Para que isso pudesse acontecer, era necessário que houvesse uma relação direta e intensa entre arte e vida. Minha vida pessoal, porém, se encontrava em um momento delicado. Como consequência de uma experiência muito dolorosa, meu corpo passou a ficar sem energia e senti, com o passar dos anos, que estava me tornando uma pessoa constantemente anestesiada, de vários modos diferentes. No entanto, foi a partir desse déficit de energia vital (do élan), que o excesso de pelos e cabelos começou a ocorrer.
Após pensar em muitas outras possibilidades de trabalho envolvendo o meu corpo e o tempo, resolvi que a atividade artística se daria através do processo lento e diário do crescimento dos pelos do meu corpo, porque o trabalho precisava se dar de dentro para fora, mas não no campo psíquico e sim pela verdade opaca do corpo. Era necessário desestabilizar o meu corpo como forma de experimentar novas fontes de potência. É claro que havia o risco de um desequilíbrio psíquico generalizado, mas o desejo de conhecer novas paisagens era maior.
Nesse processo, a minha busca não é necessariamente da animalidade do bicho, mas envolve a criação de um campo de observação do humano enquanto animal. Nem sequer posso dizer que busco me rebelar contra os padrões estéticos femininos vigentes: se me deparo com tais questões é porque sou um animal social. O processo de crescimento dos meus pelos está atrelado à necessidade de desestabilizar o meu corpo. Ao naturalizar meu corpo eu acabo por desnaturalizá-lo. Tal atitude de modo algum pode ser relacionada às políticas de gênero ou à busca pelo natural. Durante dois anos registrei periodicamente o processo de crescimento dos meus pelos e à medida que eles cresciam, novos significados e possibilidades estéticas surgiram em performance, videoperformance, fotografia e desenho.
O crescimento dos pelos durou dois anos: foi o tempo necessário para que a diferença na paisagem do meu corpo se tornasse realmente visível e sensível.
Esse processo foi potencializado durante a minha residência em Belém (por um período de seis meses, em 2014). Após uma breve visita à cidade decidi deixar o Rio de Janeiro para residir em Belém. A potente força cultural e a energia local acolhedora me chegavam em momento mais que oportuno. Desse modo, passei a perceber o conjunto dos meus trabalhos em duas fases: o primeiro período, dos trabalhos realizados no Rio de Janeiro, intitulei de SORTERRO e o segundo período, dos trabalhos realizados em Belém do Pará, intitulei de DESTERRO.
Por meio do corpo e através dessas vivências, um campo de força e devires são criados, possibilitando agenciamentos que vão além do imagético. Tais possibilidades geram diferentes percepções, capazes de produzir novas subjetividades. É assim que a arte exerce sobre mim e no espectador a possibilidade de gerar forças que nos conduzem a lugares antes inacessíveis.