Obras em geral
Texto de Carlos Lopes
O percurso percorrido entre os instantes que separam as obras pode ser entendido como a produção silenciosa que culmina na criação de mais um objeto. Tão envolvente quanto o passeio entre as obras finalizadas é o passeio pelas fronteiras imaginárias desses instantes que as intercalam. Nesses momentos, cruciais dentro do processo de criação, emergem as inquietações quanto à validade e à legitimação dos signos e da própria linguagem há tanto imersas numa lógica da representação estabelecida durante vários séculos, do Renascimento até fins do século XIX. A lógica da representação clássica, onde as formas de representação se legitimavam na expressão de uma estrutura natural, passa a ser concebida como uma construção do espírito, permitindo aos artistas mergulhar na busca de novas formas de construções e a legitimarem a partir de si próprios. Contudo, essa aparente centralização no sujeito é abalada pelos próprios avanços que ocorrem nas diferentes áreas do conhecimento, das ciências naturais e exatas às ciências humanas. Estudos esses que novamente concebem o homem como um ser biopsicossocial submetido a uma complexidade de fatores. A psicanálise, as teorias marxistas, os estudos no universo da linguagem, estudos acerca das mudanças da concepção do sujeito ao longo da história, etc., são elementos que descentralizam esse sujeito. Decerto que essas questões não são levadas em conta conscientemente durante o processo de criação de determinados artistas; contudo, estão presentes no universo simbólico de todos os indivíduos, mesmo que inconscientemente. Mas não se pode ignorar que certos artistas lançam-se de forma intencional sobre uma diversidade literária que aborda de diferentes ângulos essa problemática “pós-moderna”. Dentro dessa perspectiva, é possível localizar a obra de Juliana Notari. Pode-se perceber nesta um passeio por territórios desconhecidos e, nesse percurso, o inevitável entrecruzamento de múltiplas referências teóricas: psicanalíticas, linguísticas, biológicas, filosóficas, etc., que perpassam pelo conjunto da obra, não impostas arbitrariamente aos trabalhos após seu término, mas presentes desde a sua gênese até seus mais variáveis desdobramentos. Pode-se considerar a obra de Juliana Notari, dentre outras certamente, como um debruçar-se nessas questões tão latentes na contemporaneidade. Na investigação das propriedades formais e conceituais da palavra dita e da palavra escrita e sua aproximação com a linguagem plástica; na utilização de signos que aludem ao corpo humano dentro de uma perspectiva psicanalítica; na tentativa de transgressão do lugar-comum a fim de causar um estranhamento; na construção não linear e non sense; na análise das (im)possibilidades e limitações da linguagem enquanto tentativa de comunicação… Desta forma, cabe salientar que a dimensão das obras de Juliana está menos na (des)construção das matrizes teórico-filosóficas que as consubstanciam do que na complexidade de relações criadas pelos que as “vivenciam”.